As contas oscilam, mas nenhuma reportagem descreveu mais de meia centena
de pessoas no velório e no enterro do torturador, matador e ocultador
de cadáveres Paulo Malhães. Bernardo Tabak, repórter do UOL, somou vinte
na despedida.
No sábado à tarde, no cemitério de Nova Iguaçu,
estiveram parentes do oficial reformado do Exército, que teve cinco
filhos, e alguns vizinhos da Baixada Fluminense.
É possível que,
anônimo, tenha passado por lá algum velho camarada de jornadas macabras
dos tempos da ditadura ou chapa dos serviços de "segurança'' _isto é,
atividades de extermínio_ prestados pelo militar a próceres da
contravenção.
Porém, não se viu um só bicheiro conhecido ou
veterano manjado da repressão política. Abandonado por seus parceiros, o
torturador ficou só.
Dos seus sócios e apoiadores em práticas
como seviciar oposicionistas até a morte e depois cortar dedos, arrancar
dentes e extirpar vísceras dos seus corpos, pode-se dizer que a idade
dificulta a locomoção. Mas não são eles que, volta e meia, acorrem a
convescotes que celebram a falecida ditadura?
Muitos vivem em
outros Estados, é verdade. Mas o Rio continua sendo a concentração mais
ruidosa dos partidários dos governos instaurados em 1964.
E o que
dizer dos que, tão corajosos em vilipendiar, na internet, quem denuncia
as excrescências da ditadura, não tiveram coragem de dar adeus ao
coronel (ou tenente-coronel) que até o fim não se arrependeu dos seus
crimes?
Prevaleceu a covardia.
Assim como eram covardes os
agentes públicos que, aplicando política oficial, torturavam e
assassinavam militantes sob custódia do Estado, são pusilânimes os
saudosistas daquele tempo. A bravura vomitada em comentários de
notícias, blogs e redes sociais se dilui na vida real.
Malhães, como se sabe, morreu na quinta-feira em circunstâncias ainda não esclarecidas.
Em
meio a tantas suspeitas e versões, há uma evidência: o site "A verdade
sufocada'', vinculado ao coronel reformado Carlos Alberto Brilhante
Ustra, trucidou a verdade ao informar na sexta-feira que Malhães havia
recebido quatro tiros. Inexiste, até agora, relato de que ele tenha sido
baleado.
Outro equívoco é supor que eventual colapso cardíaco do
facínora tenha ocorrido enquanto ele regava suas orquídeas no sítio
onde vivia.
O militar estava em mãos de homens que invadiram sua
residência, conforme relato da viúva. A perícia recolheu um travesseiro
onde, de acordo com a senhora Malhães, havia marcas de sangue.
Para
registro histórico: há pelo menos um episódio em que um opositor à
ditadura morreu de colapso cardíaco, como informou o laudo da necropsia e
testemunhou uma companheira.
O que o laudo não contou e ela revelou é
que o coração entrou em pane quando o guerrilheiro era torturado no
pau-de-arara e recebia doses cavalares de choque elétrico.
Não se sabe ainda como Malhães morreu, mas não se ignora que ele foi atacado. Portanto, não teria morrido, e sim sido morto.
Sobre
a identidade de quem o atacou há um sem-número de hipóteses.
Só os
adivinhões de sempre, alguns virgens de qualquer investigação
jornalística ou policial, prescindem de apuração para saber o que
ocorreu.
O certo é que, na hora derradeira, as viúvas da ditadura abandonaram Malhães.
Seus amigos e admiradores não foram valentes nem para ir até o cemitério.
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